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CRÍTICA | JANELLE MONÁE - DIRTY COMPUTER

 
CRÍTICA | JANELLE MONÁE - DIRTY COMPUTER 
Janelle Monáe entrega o melhor disco de sua carreira e celebra as minorias. 

Comemorou-se no dia 28 de junho de 2018 o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. É um momento de grande visibilidade para a comunidade queer, ocasião em que são celebradas diversas paradas do orgulho ao redor do mundo. 

Com o assunto em voga, precisamos falar de uma artista que recentemente saiu do armário como uma pessoa pansexual e que, em seu último álbum, aborda não somente a homofobia, mas também o racismo e o sexismo: Janelle Monáe. A cantora que despontou na cena artística em meados de 2008, lançou em abril de 2018 o álbum visual intitulado Dirty Computer. 

Primeiro, temos que abordar a obra visual. Em quase 50 minutos, Janelle conta a história de um mundo distópico em que qualquer diferença beira a extinção. As pessoas são caçadas, tem suas memórias deletadas e viram uma espécie de “clone” umas das outras, sem personalidade ou vontade própria. 

Janelle narra o início do filme explicando que aqueles considerados diferentes são chamados de computers e que precisam ser purificados. Logo nos primeiros minutos, somos atingidos pela imponente frase: “you were dirty if you looked different” (você era considerado sujo se fosse diferente, em livre tradução). 

Essa frase remete imediatamente ao contexto sócio-político atual, onde temos líderes políticos ao redor do mundo, incluindo o Brasil, que tentam extinguir qualquer direito LGBTQIA+ e nos privar de exercer nossa liberdade. 

Vivemos em uma era em que o mundo está repleto de ódio contra os chamados “diferentes”, e as pessoas não tem mais receio em expressar essa aversão. Somos atacados constantemente, tanto nas mídias sócias quanto pessoalmente. 

Tentam nos “purificar”, como diz Janelle em sua obra, de diversas formas. Existem métodos de conversão para a heterossexualidade, cura gay, promessas e mais promessas de como levar uma vida “normal”, fora da “profanidade” com a qual o meio de vida queer é taxado. 

Mas assim como Janelle, estamos aqui para resistir e lutar. É por isso que Dirty Computer mostra a força do movimento LGBTQIA+, do feminismo e do movimento negro. São diversas minorias que falam através do vídeo. 

É interessante perceber as nuances da obra visual. Os tons de rosa e vermelho são constantes nos momentos de demonstração de poder, nos fazendo enxergar a força da mulher.  Nesse sentido, o tom de rosa, cor associada historicamente ao feminino, denota o poder, sendo este representado principalmente pelo sentimento de amor, que permeia todo o filme.

A comunidade LGBTQIA+ luta diariamente por viver de modo livre sua forma de amor e ter este sentimento reconhecido. Janelle diz, em uma das melhores frases do álbum visual que, quando fazemos amor, deixamos rastros. 

Foi isso que fizemos durante toda a nossa luta. Quando andamos de mãos dadas nas ruas, nos abraçamos, nos beijamos, quando postamos uma declaração de amor, mudamos um status de relacionamento nas redes sociais, quando saímos nas ruas e protestamos, quando temos a parada do orgulho gay, nós deixamos rastros, mostramos que existimos e que somos muitos. 

Sobre o disco, Janelle Monáe coloca discursos políticos sempre em ritmo de festa. Essa é a marca do álbum, que inicia com a ótima Dirty Computer, uma das faixas mais suaves do disco e que já dita o clima desse pequeno mundo no qual estamos prestes a entrar. 
Crazy, Classic, Life possui versos de hip-hop e um refrão suave com influências do R&B moderno que poderia soar repetitivo, mas na voz e melodia empregadas por Janelle, não cansam. 

O primeiro verso da música já mostra ao que veio: “jovem, preta, rebelde e livre”. Janelle narra que foi considera muito negra, com muito orgulho de si mesma, o que nos faz sentir a hipocrisia da sociedade. Esta sempre tenta reprimir o diferente e o sentimento de autoafirmação, pois, para muitos, não temos nada pelo o que nos orgulhar. 

A melodia nos faz embarcar na jornada de busca pela liberdade, para viver o tão almejado “sonho americano”. É uma canção que nos faz refletir: em um país onde o presidente separa famílias de imigrantes ilegais e que aprisiona crianças em condições precárias, separadas dos pais, o “sonho americano” seria uma utopia da nova década?
Screwed, com participação de Zoe Kravitz, é um hino de empoderamento. Com batidas fortes e guitarra constante que estão ali para expressar a força feminina, Janelle, critica a forma como as mulheres ainda são tratadas e a luta constante que enfrentam. 

Em frases como “eu vivo minha vida no anticoncepcional”, é possível perceber toda a pressão e a opressão que as mulheres carregam.  Em Screwed temos a visão de um mundo que já está condenado, mas que ainda existem pessoas que acreditam nele.

A música também fala da relação de sexo e poder, definindo este como sendo um instrumento do sexo e como podemos nos sujeitar a certas situações em função desse poder.

Porém, o sexo como instrumento de domínio está nas mãos do homem branco-hétero-cisgênero que, por exemplo, anda livremente descamisado pelas ruas, enquanto a mulher é obrigada a cobrir os mamilos o tempo todo, pois seus peitos são considerados um objeto sexual de prazer masculino. 

Janelle consegue transmitir as dores e lutas pela liberdade de expressão feminina, que ainda hoje é tão reprimida. Porém, é uma luta por paz. Em versos como “vou colocar água nas suas armas”, percebe-se que não se trata de supremacia, mas igualdade. 

Ainda, em tempos de copa do mundo, sediada este ano na Rússia, considerada uma das nações mais conservadoras e anti-LGBTQIA+ do mundo, Janelle critica a forma política deste país ao dizer que “o Diabo se encontrou com a Rússia e eles fizeram um pacto”. 
Screwed, ao mesmo tempo em que é uma música leve e contagiante, também é um dos maiores manifestos políticos de Dirty Computer. 

Avançando, temos Pynk, uma excelente música pop, com vibes do soul e R&B, em que temos uma ode à vagina. Janelle descontrói todo o preconceito em falar sobre o órgão genital da mulher em versos cantados com sua voz doce, que conquista a todos e, ao mesmo tempo, passa a mensagem de que a mulher gosta de sexo, que ela quer fazer sexo e sentir prazer.

Em Make Me Feel somos remetidos ao início da carreira de Janelle, sendo a música de Dirty Computer que mais se assemelha com os trabalhos inicias da artista. É uma faixa simples, sobre como a pessoa que você gosta te faz sentir bem. Make me feel é mais uma excelente música pop para fazer você dançar, sem tantas pretensões políticas quanto as demais canções do álbum.

A próxima música é I Got That Juice, com participação de Pharell Williams. A música se destaca por criticar diretamente o presidente dos EUA, pois este, em uma infeliz declaração, disse que “pega as mulheres pela vagina”. Janelle declara guerra e diz que, “se você tentar pega-la pela vagina, essa vagina vai te pegar de volta”. 

Encerrando o álbum temos a ótima Americans, em tom inicial quase gospel, como se fosse uma grande comunhão e você estivesse ouvindo a música em uma igreja. Mas 30 segundos depois somos surpreendidos com batidas de sintetizadores que nos remetem aos anos 80, mudando completamente o tom da canção, mas sem prejudicar sua estrutura. 

O primeiro verso da faixa nos traz paz, alegria e esperança de conseguir sobreviver nesse mundo caótico, de conquistarmos nosso espaço e prosperarmos, apesar de todo o ódio que nos é lançado. 

Porém, a esperança é destruída logo no segundo verso da música. Americans é uma crítica ao modo de vida e crenças norte-americanas, pois estes se orgulham muito de sua condição e de seu país, mas fazem isso para si mesmos, para os homens brancos-héteros-cisgêneros e que nasceram em solo norte-americano.

Não há espaço para imigrantes, para negros ou pessoas queer. Não há espaço para a diversidade. “Nós somos americanos”, mas só se você for um tipo específico de norte-americano. 

A música conta com um trecho de um discurso feito por Barack Obama, que nas partes finais da música, critica a polícia e sua opressão com os negros, a homofobia, a xenofobia e o sexismo, tudo pelo qual Janelle gritou a favor durante o disco. 

Americans é o suprassumo do álbum, pois nos dá coragem, nos mostra a discrepância social com a qual convivemos e o quanto ainda temos que lutar para progredir. A batalha não é fácil, mas certamente vale a pena.   

O disco não esconde em momento algum a mensagem que quer transmitir: nós estamos aqui, nós somos queer, negros, mulheres, pobres, imigrantes, apenas aceitem, pois viemos para vencer. 

É impossível ouvir Dirty Computer sem pensar sobre todo o contexto social em que vivemos atualmente. Além de trazer tantas reflexões importantes, o álbum nos faz dançar. Janelle Monáe alcançou um feito raro: nos fazer problematizar na pista de dança.  

Nota: 5/5.
CRÍTICA | JANELLE MONÁE - DIRTY COMPUTER
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CRÍTICA | JANELLE MONÁE - DIRTY COMPUTER

Crítica do aclamado disco Dirty Computer, de Janelle Monáe.

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